Falo muito de Antropologia, mas não quero enganar ninguém: não sei se quero isso da minha vida ou se tenho a “vocação” para tanto. Interesso-me; ponto. Por exemplo, no prefácio à edição brasileira de KUPER, Adam. A reinvenção da sociedade primitiva: transformações de um mito.
Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2008 (na página 11) temos:
Sociedades primitivas – ou, ainda melhor, povos primitivos – são resultados da imaginação ocidental. Isso não implica que as noções de primitivo não têm nenhum propósito. Como nos mundos alternativos da ficção científica, as idéias sobre a sociedade primitiva nos ajudam a pensar a nossa própria sociedade. O primitivo, o bárbaro, o selvagem são os nossos “opostos”. Eles nos definem, enquanto nós os definimos.
Adam Kuper, 2008. Foto da página virtual da Brunel University.
Essa pancada é do antropólogo Adam Kuper (http://en.wikipedia.org/wiki/Adam_Kuper) a refletir sobre os trabalhos antropológicos que se dizem sobre as “sociedades primitivas”.
Satisfeitos com nós mesmos, desprezamos os primitivos por a eles faltarem as nossas vantagens. Se formos pessimistas, eles podem representar a esperança de um modo de viver melhor, mais livre, mais saudável e mais natural. Se formos céticos, podemos ecoar Montaigne, argumentando que nós mesmos não somos melhores que os primitivos. E se estivermos nos sentindo liberais, podemos até conceder que eles tenham alguma coisa a nos ensinar, talvez sobre o respeito ao meio ambiente!
Kuper discute a(s) ideia(s) que o ocidente construiu sobre o “primitivo”, sobre esses homens e mulheres estudados em regiões “distantes”, de modos de vida diferentes e que tiveram suas terras ocupadas por países europeus. Em 1988, ele escreveu A invenção da sociedade primitiva. A “Reinvenção (…)”, de 2005 [Brasil: 2008], é uma releitura. Na página 15 desta edição, no prefácio original, ele diz:
Este livro é uma história das formas pelas quais os antropólogos têm pensado sobre a sociedade primitiva. […]
Eu adicionei, portanto, uma breve história das palavras bárbaro, selvagem e primitivo, de forma a elucidar alguns dos temas recorrentes deste discurso.
Entre as páginas 15 e 16, ele complementa seu objetivo com o livro:
Da primeira vez cometi um outro erro, o de supor que a idéia de sociedade primitiva estava à beira da extinção. “Meu objetivo”, escrevi no parágrafo final de The Invention of Primitive Society, “foi liberar-nos de umpouco de nossa história. Os antropólogos desenvolveram a teoria da sociedade primitiva, mas nós devemos corrigí-la, quando não considerá-la obsoleta, em todas as suas formas múltiplas.” Foi uma esperança em vão. A sociedade primitiva está de volta. No que concerne à direita, a moral da história evolutiva torna-se indiscernível da doutina [sic] do pecado original. O velho Adão ainda está conosco. Em um dos mitos modernos mais potentes, O Senhor das Moscas, de William Golding, crianças de uma escola inglesa, náufragas, retrocedem à selvageria e reiventam[sic] liderança, caça, danças rituais e sacrifícios. Enquanto isso, para a esquerda, a sociedade primitiva se tornou um ideal político, ao menos para muitos ativistas ecologistas e da anti-globalização.
E ele termina o prefácio, na página 16, a justificar e dar a ideia fundamental:
O título do livro foi mudado de modo a refletir essas mudanças, e o subtítulo também foi alterado, pois agora eu sinto que a idéia de sociedade primitiva é melhor descrita como um mito.
E agora voltarei à leitura.